A piora da percepção de risco no exterior deu mais um motivo para correção de preços no mercado brasileiro. Ontem, o real voltou a perder terreno para o dólar, desviando-se novamente do bom desempenho do começo do ano. Especialistas apontam que a desvalorização nos últimos dias reflete um ajuste de expectativas, mas não indica uma reversão do otimismo com a cena local.
O dólar comercial subiu pela quarta sessão seguida e fechou em alta de 0,79%, aos R$ 3,7619. Desta vez, o movimento foi capitaneado por preocupações com a guerra comercial sino-americana, o risco de desaceleração da economia global e a firme queda dos preços de petróleo, que bateram em cheio em toda a classe de emergentes.
No entanto, o aumento da volatilidade no exterior chega num momento que o mercado local está um pouco mais exposto, já que os investidores
estão corrigindo as apostas para a agenda de reformas no Brasil. “Não tivemos um grande revés, mas estamos vendo atrasos em relação às expectativas construídas pelo mercado. Isso tem um custo”, diz o operador Cleber Alessie Machado Neto, da H.Commcor.
Por aqui, persiste um clima de cautela com a saúde do presidente Jair Bolsonaro e com o andamento da reforma da Previdência, que parece demorar mais que o esperado para sair do papel. Além disso, a proposta pode não ser tão robusta quanto muitos gostariam. Sinal do ajuste de expectativas para o novo cenário, o dólar avançou 2,84% desde que cravou o menor nível de fechamento do ano, em R$ 3,6579 no fim do mês passado.
Segundo o Valor apurou, dos projetos de reformas conhecidos até agora, Bolsonaro tem maior consideração e acha que será mais facilmente aprovada a ideia de estabelecer idade mínima de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres. A minuta que vazou para a imprensa na semana passada trazia características bem mais duras para a reforma. De acordo com aquele esboço, a idade mínima sugerida era de 65 para homens e mulheres.
Apesar da cautela reforçada no mercado até que haja mais clareza sobre a proposta e a tramitação no Congresso, especialistas não acreditam que os ativos estejam sofrendo com uma grande inversão das apostas positivas sobre o Brasil. De fato, a leitura é positiva, se baseando também na recuperação cíclica da economia.
Para os analistas do Santander, a desvalorização dos ativos locais nos últimos dias serviu para corrigir um “otimismo exacerbado”, que parecia justificar o movimento de melhora ininterrupta no mercado financeiro. Isso não significa que o cenário mais provável tenha se tornado aquele em que há fracasso ou grande frustração com a reforma da Previdência. Pelo contrário, a cena política ainda traz motivos para se apostar no avanço da medida, só que não tão ambiciosa nem tão rápida quanto cogitou anteriormente. “As dificuldades políticas para aprovação da reforma são elevadas, mas não intransponíveis”, dizem.
“Estamos observando uma realização temporária de lucros e não uma revisão das perspectivas favoráveis para a economia brasileira”, afirmam. Grande parte dos obstáculos no caminho da agenda de reformas parece estar muito mais atrelada à coordenação da base aliada, e não à força da oposição. “Isto reforça nossa percepção de otimismo cauteloso referente ao processo de aprovação da reforma da Previdência”.
No mercado de juros, o ajuste de expectativas também contou com o tom mais duro que o esperado do Banco Central sobre o caminho da Selic. Os investidores reverteram a aposta em corte da taxa básica neste ano e agora se concentram na manutenção do juro no nível atual de 6,5%.
Hoje, será divulgada a ata da última reunião de política monetária. A expectativa é que a mensagem da autarquia sobre juros seja reforçada, mas os especialistas seguem atentos a qualquer sinal de mudança. “Vamos buscar quaisquer dicas em uma discussão mais elaborada sobre o impacto potencial na política monetária dos recentes dados da atividade e do ambiente externo mais construtivo”, diz o economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs.
Fonte: Valor Econômico